Obra literária trata da vida de um garoto que se envolve com a criminalidade
Como a violência familiar afeta a
vida de um adolescente?” Esta é uma das questões que motivou o
professor do Campus Teixeira de Freitas, João Rodrigues, a
escrever o livro “Canivete”, sob a perspectiva do menor. O livro
está sendo lançado gradualmente na região. Após, o lançamento no
Campus Teixeira de Freitas, em novembro, o professor irá
lançá-lo no Instituto Federal do Espírito Santo, Campus SãoMateus e Campus Montanha.
Na história, Tomás nasce numa
família pobre e conflituosa. O pai, bandido, espanca a mãe e as
irmãs são abusadas. Tomás é treinado para roubar e “recebe
o apelido de Canivete porque é magro 'feito um caniço' e usa uma
faca para roubar. Filho das circunstâncias, Tomás é de boa índole,
inteligente, esperto, terno e sonha com a felicidade da família.
Porém, os acontecimentos vão mudando o curso da sua história e seu
destino é demarcado por situações dramáticas”, comenta o autor.
O
livro é um produção independente, com 150 páginas. O
professor João, doutorando em Linguística e Língua Portuguesa pela
PUC – MG, trabalha há dois anos no IF Baiano, tendo atuado 22 anos
com educação, sendo 10 dedicados ao Ensino Superior. Já
publicou sete obras literárias.
Nesta entrevista, ele fala a respeito do Livro e da
questões sociais que a obra evidencia.
Bem
Baiano -
Do que trata o livro “Canivete”?
João Rodrigues –
[Tomás/Canivete]
cresce
no mundo marginal e depois de adulto refaz seu destino na prisão com
a ajuda da pastoral carcerária. Um dia descobre que nem tudo está
perdido e ao sair, percebe que a vida não acabou: é tempo de
recomeço, de tecer caminhos como as aranhas errantes que nunca
deixam a teia esquecida. O livro é uma lição de esperança e de
ressignificação. Um mergulho no sentido mesmo da nossa existência
humana no mundo.
Bem
Baiano -
O que
trouxe como debate?
João Rodrigues -
“Canivete” é
uma obra atual, o drama de Tomás/Canivete, o “herói bandido”, é
o mesmo de centenas de crianças que simplesmente perderam a infância
e passam a usufruir da violência - que se torna algo corriqueiro,
inevitável. Então, o grito de revolta de Canivete ecoa em cada
canto do país, mas o sistema continua indiferente. “Canivete” é
ignorado pela sociedade, mas o mundo do crime o acolhe, justifica
seus atos e amplia os seus horizontes.
Bem
Baiano -
A publicação é fruto de alguma pesquisa?
João
Rodrigues - Quando
esse escritor é também um educador – meu caso -, a pesquisa
assume uma dimensão mais abrangente. Tive que exercitar meu olhar de
pesquisador para visitar o sistema carcerário de Teixeira de Freitas
e verificar a realidade que dialoga com a minha história. Foi uma
experiência marcante, emocionante. Ali, no cárcere, vi que Canivete
não é ficção, é realidade, é cortante, gritante. No cárcere
desfilam personagens reais, que sentem, sofrem, odeiam, fedem,
respiram a podridão do crime e da violência – nem sempre
gratuita. São seres humanos que estão reclusos – por algum tempo.
Eis a questão: estão ali por uma temporada e um dia saem e a
questão é simples e ao mesmo tempo um gargalo social: podem sair
pior.
A
sociedade está acostumada com o paliativo: prender o indivíduo.
Esquece - ou finge que esquece - que um dia esse mesmo indivíduo
será libertado. Portanto, é necessário investir na
ressocialização,
humanizar o sistema carcerário, investir em educação/formação
dentro e fora do presídio.
Além
do sistema carcerário, tive que pesquisar o dilema da violência
doméstica
e o silenciamento que grande parte das mulheres conservam diante do
seu algoz. Maria, a mãe de Canivete é uma dessas mulheres. As irmãs
de Canivete são duas jovens mulheres vítimas de abuso
sexual
e por aí vai.
Bem
Baiano -
Que aspecto destacaria na publicação?
João
Rodrigues - A
obra atual propõe uma perspectiva de mudança sem o apelo da cultura
da miserabilidade, tão em voga no Brasil em que vivemos. O
personagem Canivete amadureceu e está muito além das grades de
qualquer prisão. Continua amargo, mas seu tom não é individual.
Suas perguntas não ficam em aberto ou no eco do fatalismo. Busca
sentido existencial-coletivo a partir da cultura da organização –
que passa pela formação, ainda que seja no terreno das relações
humano-religiosas dentro e fora do presídio, como o trabalho
fraterno e realizador da pastoral Carcerária.
A
vida continua e os problemas também, mas o ato de cruzar os braços
significa algemar a própria vida.
"O livro é uma lição de esperança e de ressignificação. Um mergulho no sentido mesmo da nossa existência humana no mundo".
João Rodrigues, professor e escritor
Bem
Baiano-
Qual sua motivação para abordar o tema? Como surgiu a ideia?
João
Rodrigues -
Antes
de virar livro, Canivete foi um dos personagens de uma peça de
teatro da minha autoria, denominada Feira dos Oprimidos. Na época,
eu fazia parte do grupo de jovens da Igreja Católica da minha cidade
(Licínio de Almeida, uma pequena cidade do sertão baiano,
localizada no sudoeste da Bahia, nos braços da serra geral, divisa
com o norte de Minas Gerais – no alto Jequitinhonha). Na época a
CNBB lançou o novo tema da Campanha da Fraternidade: “A
fraternidade e o menor”, com o lema: “Quem acolhe o menor, a mim
acolhe”.
O
tema foi largamente debatidos nas comunidades, pastorais e movimentos
sociais. Para nós, jovens do interior, era tudo uma grande novidade,
nunca tínhamos ouvido falar em moradores de rua, menor abandonado,
prostituição infantil, drogas, etc.
Então
escrevi o espetáculo e, um dos personagens, era um moleque de rua
apelidado de Canivete. Os demais personagens tinham sua importância
na história, mas a performance e interpretação do garoto (um
adolescente chamado Nailson), “roubou” a cena e caiu nas graças
do público. A peça ficou pequena para um personagem grandioso como
Canivete. Aí nasceu a ideia de contar a história deste personagem
nas páginas de um livro que agora está na sua segunda edição.
Bem
Baiano -
Qual a importância dessa publicação? Principal contribuição?
João
Rodrigues -
Os verdadeiros canivetes estão por aí, à nossa volta, a sociedade
precisa refletir isso. Além do mais, a obra é atemporal. Hoje o
tráfico de drogas que adota diversas crianças, é um agravante
capítulo que se agrega ao enredo dramático de Canivete. É ficção?
É. É realidade? É. Ou seja, a principal contribuição é chamar a
atenção, cutucar a sociedade para um problema que não está
resolvido. Seria muito interessante que não existisse Canivete,
mas... enquanto isso, qual o nosso papel como sociedade organizadas,
como educadores, eleitores, brasileiros?
"Ali, no cárcere, vi que Canivete não é ficção, é realidade, é cortante, gritante".
João Rodrigues, professor e escritor
Bem
Baiano -
Como você avalia a questão da produção literária na Bahia?
Ainda
falta incentivo para a produção literária baiana ter o seu lugar
de destaque. À exceção de alguns autores consagrados, ainda se
nota grande resistência em apoiar e investir nos autores que estão
começando ou naqueles que já tem experiência na área e pouco
espaço, como o meu caso, por exemplo.
A
Bahia vende
uma imagem de terra
da cultura,
localizada em Salvador, nos trios elétricos, no axé, nos artistas
consagrados (muitos sequer moram na Bahia) e se rendem a uma meia
dúzia de novatos que são apadrinhados por políticos, empresários
ou são amigos de artistas do primeiro time. Na Literatura ocorre o
mesmo, os clássicos aparecem, os novos nem sempre. Pior, quando
aparecem são localizados em Salvador ou nas suas proximidades.
O
Extremo Sul da Bahia, por exemplo, é um pedaço da Bahia que está
no mapa, mas sempre foi relegada ao esquecimento, inclusive político.
A cultura local é pouco assumida, em alguns casos, mais valorizada
em Minas Gerais e no Espírito Santo. Isso compromete o sentimento de
pertença, de identidade cultural e de descaso com a terra mãe. A
Bahia não é só Salvador, mas a visão reducionista é algo muito
difícil de se desconstruir.
Bem
Baiano - E
no IF Baiano, qual sua opinião?
João
Rodrigues -
No
lançamento de Canivete em Teixeira de Freitas foi notável o apoio
que tivemos do campus local, a presença marcante dos servidores que
estão lendo e comentando a obra, numa clara demonstração de apreço
e respeito pela produção literária do colega. Queria muito que
todos os campus tivessem a mesma oportunidade. Mas isso não depende
do autor.
Quando
fui informado que meu livro será lançado no IFES de São Mateus (e
posteriormente no IFES de Montanha), fiquei muito feliz, significa
reconhecimento de um trabalho literário que conta com um acervo de
sete obras publicadas.
Mantenho
a esperança de que o
IF Baiano
desenvolva uma política cultural voltada para a produção literária
docente no campo não apenas da pesquisa, mas, também, das artes e
da literatura como um todo. E por que não? Ganha a Instituição, os
alunos, servidores e a comunidade. Falamos tanto de interiorização,
consulta popular, identidade cultural, participação comunitária...
Eis uma boa oportunidade de ampliar esse discurso – na prática.
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