A
educação do campo perpassa por suas emoções e sua
intelectualidade. Dentro do universo de sua formação acadêmica
(graduação em Letras até o doutorado em Letras e Linguística),
João Rodrigues, professor do Instituto Federal Baiano (IF Baiano) –
Campus
Teixeira de Freitas, perpassa seus estudos sobre a análise da obra
“O meu pé de laranja-lima”, passa pela agricultura familiar,
pelo teatro popular comunitário e pedagogia da alternância até
chegar na defesa da tese “As pedras gritarão: uma análise crítica
da metáfora conceptual em discursos do MST”.
Como
mais um caminhar para seus projetos, o doutorado perpassa pela ideia
e pela motivação de “trabalhar,
acreditar e defender a Educação do Campo como um espaço de
pertença, visibilidade e reconhecimento das populações
campesinas”, afirma o professor Rodrigues”. “Na Educação do
Campo, através da Pedagogia da Alternância, tornei-me um educador
que costuma 'apreciar o simples que de tudo emana'; depois pela minha
militância nos movimentos sociais, sobretudo no MST – o maior
movimento campesino da América Latina e um dos maiores do mundo”,
complementa.
Enquanto
professor da área de linguagem no IF Baiano, ele define esse
incremento à sua formação de pesquisador como algo que “agrega
valores altamente positivos na prática pedagógica docente, mas não
só, enriquece o fomento a pesquisa e extensão, ampliando o debate
em torno das abordagens cognitivas, sobretudo no campo das
representações metafóricas”, diz João. Ele reforça que “o
estudo contribui para o entendimento do papel dos movimentos sociais
no Extremo Sul da Bahia, enquanto marco da Educação do Campo e do
processo de formação”, afirma.
Em
entrevista ao Bem Baiano, Rodrigues fala um pouco sobre a sua
pesquisa e suas descobertas científicas.
Bem
Baiano - Como
surgiu a ideia de trabalhar esse tema?
João
Rodrigues - Num
país como o nosso, é lamentável notar que poucos conhecem de fato
o papel e a importância dos movimentos sociais. Poucos sabem que
grande parte do desenvolvimento do campo, seja na área da educação,
da cultura e sobretudo na sobrevivência da agricultura familiar, se
deve aos movimentos sociais. A sociedade acha “lindo” o povo
indígena, enaltecem uma visão romântica que não é real, mas não
incomoda. Trata-se de uma visão heroica, suave, ecológica... Mas,
quando esse indígena luta, a figura perde o romantismo e eles são
taxados de vândalos, preguiçosos, atrasados, bandidos... O mesmo
ocorre com os afrodescendentes, sobretudo as populações
quilombolas: são “lindos” no cinema, na novela, no teatro. São
figuras românticas, não incomodam. Mas se começam a ocupar os
espaços que sempre lhes foram negados, são desprovidos de
qualidades e beleza. São “preconceituosos”, vândalos,
encrenqueiros... O
MST não fica atrás. São ignorados, ridicularizados, mesmo quando
são vítimas de chacinas, como o Massacre
de Eldorado de Carajás de 17 de abril de 1996 ocorrido no interior
do estado do Pará que resultou na morte de 19 trabalhadores rurais
ligados ao Movimento dos Sem Terra - MST.
A
partir desse acontecimento, analisei como a conceptualização do
massacre
de Eldorado dos Carajás como um “ato de guerra”, através de
distintas materializações no discurso, foi um importante
instrumento no processo de justificativa das futuras ações do MST e
do fortalecimento da sua imagem perante a sociedade brasileira. O
estudo mostrou como a metáfora desempenha um papel relevante na
formação e na
difusão
de ideologia tão vital para os movimentos sociais do campo, uma vez
que ela legitima determinadas visões ou enquadramentos, que vão ao
encontro de interesses específicos.
Bem
Baiano -
Qual a importância do tema para a sociedade?
João
Rodrigues - A
metáfora tem uma importância e presença avassaladoras na nossa
vida. Mais do que apenas enriquecer a linguagem, ela questiona,
explica e interpreta o mundo. Esse fenômeno tem uma significativa
participação no processo cognitivo para formação/estruturação
de significados. Não é a toa que o mesmo suscita reflexões e
pesquisas ao longo de séculos, considerado um dos processos
fundamentais da conceptualização e interação humana com a
realidade.
O presente estudo é
relevante para a sociedade do conhecimento, sobretudo para os estudos
cognitivos, uma vez que investiga as metáforas conceptuais que
transformam, discursivamente, fatos em “atos de guerra”, a partir
dos pressupostos teóricos defendidos por Lakoff e Johnson. Trazemos
a hipótese de que essas metáforas são usadas, cognitiva e
linguisticamente, para justificar uma ação ou (re) ação, com
implicações políticas e sociais.
Bem
Baiano - Resultados
alcançados?
João
Rodrigues - No
decorrer da análise, acredito que a nossa proposta, também adotada
em Lakoff (1991), conseguiu dar conta de aspectos cognitivos
importantes que estruturam o discurso em um caráter mais amplo.
Buscar revelar esses aspectos não é tarefa fácil, no entanto, a
partir do momento que a metáfora adquiriu um estatuto de figura de
pensamento (e um pensamento sociocultural e ideologicamente inserido)
e não só de linguagem, a tarefa do pesquisador tornou-se,
empiricamente, mais complexa e mais instigante.
Por
outro lado, ao analisar a relação que o MST tem com a política e o
poder foi possível constatar que o estudo das metáforas discursivas
pode contribuir para o aprofundamento de questões sobre cognição,
cultura, ideologia e argumentação. Da interface entre esses campos,
emerge a compreensão do discurso político.
Acredito
que esse estudo tenha contribuído para a pesquisa na área da
metáfora em geral e, mais especificamente, para a compreensão do
papel da metáfora no discurso, entendendo discurso aqui como a
instância onde a cognição, a cultura e a ideologia se manifestam
linguisticamente.
Bem
Baiano - Quais
são suas perspectivas sobre o trabalho?
João
Rodrigues - Intensificar
as pesquisas a partir dos estudos cognitivos; fomentar
a criação de grupo de pesquisa com os demais professores da área e
correlatas, buscando ampliar a pesquisa e a extensão a partir do
Campus
Teixeira de Freitas; publicação
de um livro sobre os estudos investigados e seus resultados;
viabilizar
um pós-doutorado sobre a temática.
Fotografia:
Acervo / João
Rodrigues
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