sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Professor do IF Baiano lança o livro “Canivete”

Obra literária trata da vida de um garoto que se envolve com a criminalidade

  

Como a violência familiar afeta a vida de um adolescente?” Esta é uma das questões que motivou o professor do Campus Teixeira de Freitas, João Rodrigues, a escrever o livro “Canivete”, sob a perspectiva do menor. O livro está sendo lançado gradualmente na região. Após, o lançamento no Campus Teixeira de Freitas, em novembro, o professor irá lançá-lo no Instituto Federal do Espírito Santo, Campus SãoMateus e Campus Montanha.


Na história, Tomás nasce numa família pobre e conflituosa. O pai, bandido, espanca a mãe e as irmãs são abusadas. Tomás é treinado para roubar e “recebe o apelido de Canivete porque é magro 'feito um caniço' e usa uma faca para roubar. Filho das circunstâncias, Tomás é de boa índole, inteligente, esperto, terno e sonha com a felicidade da família. Porém, os acontecimentos vão mudando o curso da sua história e seu destino é demarcado por situações dramáticas”, comenta o autor.

O livro é um produção independente, com 150 páginas. O professor João, doutorando em Linguística e Língua Portuguesa pela PUC – MG, trabalha há dois anos no IF Baiano, tendo atuado 22 anos com educação, sendo 10 dedicados ao Ensino Superior. Já publicou sete obras literárias. Nesta entrevista, ele fala a respeito do Livro e da questões sociais que a obra evidencia.


Bem Baiano - Do que trata o livro “Canivete”?
João Rodrigues – [Tomás/Canivete] cresce no mundo marginal e depois de adulto refaz seu destino na prisão com a ajuda da pastoral carcerária. Um dia descobre que nem tudo está perdido e ao sair, percebe que a vida não acabou: é tempo de recomeço, de tecer caminhos como as aranhas errantes que nunca deixam a teia esquecida. O livro é uma lição de esperança e de ressignificação. Um mergulho no sentido mesmo da nossa existência humana no mundo.


Bem Baiano - O que trouxe como debate?
João Rodrigues - “Canivete” é uma obra atual, o drama de Tomás/Canivete, o “herói bandido”, é o mesmo de centenas de crianças que simplesmente perderam a infância e passam a usufruir da violência - que se torna algo corriqueiro, inevitável. Então, o grito de revolta de Canivete ecoa em cada canto do país, mas o sistema continua indiferente. “Canivete” é ignorado pela sociedade, mas o mundo do crime o acolhe, justifica seus atos e amplia os seus horizontes.


Bem Baiano - A publicação é fruto de alguma pesquisa?
João Rodrigues - Quando esse escritor é também um educador – meu caso -, a pesquisa assume uma dimensão mais abrangente. Tive que exercitar meu olhar de pesquisador para visitar o sistema carcerário de Teixeira de Freitas e verificar a realidade que dialoga com a minha história. Foi uma experiência marcante, emocionante. Ali, no cárcere, vi que Canivete não é ficção, é realidade, é cortante, gritante. No cárcere desfilam personagens reais, que sentem, sofrem, odeiam, fedem, respiram a podridão do crime e da violência – nem sempre gratuita. São seres humanos que estão reclusos – por algum tempo. Eis a questão: estão ali por uma temporada e um dia saem e a questão é simples e ao mesmo tempo um gargalo social: podem sair pior.
A sociedade está acostumada com o paliativo: prender o indivíduo. Esquece - ou finge que esquece - que um dia esse mesmo indivíduo será libertado. Portanto, é necessário investir na ressocialização, humanizar o sistema carcerário, investir em educação/formação dentro e fora do presídio.
Além do sistema carcerário, tive que pesquisar o dilema da violência doméstica e o silenciamento que grande parte das mulheres conservam diante do seu algoz. Maria, a mãe de Canivete é uma dessas mulheres. As irmãs de Canivete são duas jovens mulheres vítimas de abuso sexual e por aí vai.


Bem Baiano - Que aspecto destacaria na publicação?
João Rodrigues - A obra atual propõe uma perspectiva de mudança sem o apelo da cultura da miserabilidade, tão em voga no Brasil em que vivemos. O personagem Canivete amadureceu e está muito além das grades de qualquer prisão. Continua amargo, mas seu tom não é individual. Suas perguntas não ficam em aberto ou no eco do fatalismo. Busca sentido existencial-coletivo a partir da cultura da organização – que passa pela formação, ainda que seja no terreno das relações humano-religiosas dentro e fora do presídio, como o trabalho fraterno e realizador da pastoral Carcerária.
A vida continua e os problemas também, mas o ato de cruzar os braços significa algemar a própria vida.
"O livro é uma lição de esperança e de ressignificação. Um mergulho no sentido mesmo da nossa existência humana no mundo".
João Rodrigues, professor e escritor

Bem Baiano- Qual sua motivação para abordar o tema? Como surgiu a ideia?
João Rodrigues - Antes de virar livro, Canivete foi um dos personagens de uma peça de teatro da minha autoria, denominada Feira dos Oprimidos. Na época, eu fazia parte do grupo de jovens da Igreja Católica da minha cidade (Licínio de Almeida, uma pequena cidade do sertão baiano, localizada no sudoeste da Bahia, nos braços da serra geral, divisa com o norte de Minas Gerais – no alto Jequitinhonha). Na época a CNBB lançou o novo tema da Campanha da Fraternidade: “A fraternidade e o menor”, com o lema: “Quem acolhe o menor, a mim acolhe”.
O tema foi largamente debatidos nas comunidades, pastorais e movimentos sociais. Para nós, jovens do interior, era tudo uma grande novidade, nunca tínhamos ouvido falar em moradores de rua, menor abandonado, prostituição infantil, drogas, etc.
Então escrevi o espetáculo e, um dos personagens, era um moleque de rua apelidado de Canivete. Os demais personagens tinham sua importância na história, mas a performance e interpretação do garoto (um adolescente chamado Nailson), “roubou” a cena e caiu nas graças do público. A peça ficou pequena para um personagem grandioso como Canivete. Aí nasceu a ideia de contar a história deste personagem nas páginas de um livro que agora está na sua segunda edição.


Bem Baiano - Qual a importância dessa publicação? Principal contribuição?
João Rodrigues - Os verdadeiros canivetes estão por aí, à nossa volta, a sociedade precisa refletir isso. Além do mais, a obra é atemporal. Hoje o tráfico de drogas que adota diversas crianças, é um agravante capítulo que se agrega ao enredo dramático de Canivete. É ficção? É. É realidade? É. Ou seja, a principal contribuição é chamar a atenção, cutucar a sociedade para um problema que não está resolvido. Seria muito interessante que não existisse Canivete, mas... enquanto isso, qual o nosso papel como sociedade organizadas, como educadores, eleitores, brasileiros?

"Ali, no cárcere, vi que Canivete não é ficção, é realidade, é cortante, gritante".
João Rodrigues, professor e escritor

Bem Baiano - Como você avalia a questão da produção literária na Bahia?
Ainda falta incentivo para a produção literária baiana ter o seu lugar de destaque. À exceção de alguns autores consagrados, ainda se nota grande resistência em apoiar e investir nos autores que estão começando ou naqueles que já tem experiência na área e pouco espaço, como o meu caso, por exemplo.
A Bahia vende uma imagem de terra da cultura, localizada em Salvador, nos trios elétricos, no axé, nos artistas consagrados (muitos sequer moram na Bahia) e se rendem a uma meia dúzia de novatos que são apadrinhados por políticos, empresários ou são amigos de artistas do primeiro time. Na Literatura ocorre o mesmo, os clássicos aparecem, os novos nem sempre. Pior, quando aparecem são localizados em Salvador ou nas suas proximidades.
O Extremo Sul da Bahia, por exemplo, é um pedaço da Bahia que está no mapa, mas sempre foi relegada ao esquecimento, inclusive político. A cultura local é pouco assumida, em alguns casos, mais valorizada em Minas Gerais e no Espírito Santo. Isso compromete o sentimento de pertença, de identidade cultural e de descaso com a terra mãe. A Bahia não é só Salvador, mas a visão reducionista é algo muito difícil de se desconstruir.

Bem Baiano - E no IF Baiano, qual sua opinião?
João Rodrigues - No lançamento de Canivete em Teixeira de Freitas foi notável o apoio que tivemos do campus local, a presença marcante dos servidores que estão lendo e comentando a obra, numa clara demonstração de apreço e respeito pela produção literária do colega. Queria muito que todos os campus tivessem a mesma oportunidade. Mas isso não depende do autor.
Quando fui informado que meu livro será lançado no IFES de São Mateus (e posteriormente no IFES de Montanha), fiquei muito feliz, significa reconhecimento de um trabalho literário que conta com um acervo de sete obras publicadas.
Mantenho a esperança de que o IF Baiano desenvolva uma política cultural voltada para a produção literária docente no campo não apenas da pesquisa, mas, também, das artes e da literatura como um todo. E por que não? Ganha a Instituição, os alunos, servidores e a comunidade. Falamos tanto de interiorização, consulta popular, identidade cultural, participação comunitária... Eis uma boa oportunidade de ampliar esse discurso – na prática. 

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