segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Professor lançará livro sobre escravidão no Recôncavo Baiano

Doutor em História Social, pela UFBA, o professor Marcelo Oliveira, do Campus Catu  lançará o livro  “A Imperial Vila de Santana do Catu: histórias de uma comunidade escravista no Recôncavo Baiano”, da Quarteto Editora. O lançamento ocorrerá no dia 25, durante as comemorações do Mês da Consciência Negra, no Campus.

Nas suas 140 páginas, o autor descreve o escravismo como fator histórico que ajudou a fomentar a desigualdade social e racial no país.  A obra é dividida em sete capítulos, facilitando a compreensão de como se processou a economia açucareira e o trabalho escravo na Vila de Catu. Parte dos exemplares serão distribuídos em bibliotecas e num curso de formação sobre a Aplicação da Lei que torna obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-brasileira na sala de aula, numa perspectiva local.


Bem Baiano  - A publicação é fruto de alguma pesquisa?

Marcelo Oliveira - A publicação é fruto de uma longa investigação realizada paralelamente aos estudos de doutorado e ocorreu pelo interesse pessoal que tenho na história do município. Como auxiliares da pesquisa trabalharam diversos bolsistas do Ensino Médio do IF Baiano que tiveram fomento da PROPES, PROEX, Fapesb e CNPq entre os anos de 2011 e 2013.

Bem Baiano - Do que trata o livro?  Como é sua narrativa?

Marcelo Oliveira - É uma pesquisa histórica que trata do cotidiano de sujeitos que viveram na cidade de Catu, durante a última década do Brasil Império escravocrata. O palco é a Imperial Vila de Santana de Catu, Recôncavo baiano, na segunda metade do século XIX, com suas terras próprias para a produção de açúcar. Os atores principais são os trabalhadores escravos e os senhores de engenhos. 
Apesar do foco ser o século XIX,  o trabalho contextualiza a ocupação do espaço. Nele, encontramos descrições sobre a ocupação territorial, as divisões administrativas antes e depois de Catu se tornar vila, informações sobre o comércio local, através das feiras semanais, o dinamismo provocado pela construção da estrada de ferro, as movimentações desencadeadas pela festas e cerimônias religiosas.


Bem Baiano - Qual sua motivação para abordar o tema?

Marcelo Oliveira - O tema surgiu do meu interesse acadêmico pela temática da escravidão e pelo meu interesse pessoal na história do município onde fui criado. O livro é um pontapé inicial para que pesquisadores locais e a população de Catu e cidades vizinhas, especialmente aquela parcela descendente de escravos, possam conhecer um pouco sobre a escravidão na região e,quiçá, desenvolver futuras pesquisas.

"...as pessoas são pessoas em qualquer época. Têm sentimentos, emoções, interesses..."
- Marcelo Oliveira - 

Bem Baiano - Algum dado ou aspecto novo foi descoberto ao longo da produção do livro? 

Marcelo Oliveira - O fato de Catu pertencer historicamente ao Recôncavo Baiano. Atualmente, o município pertence ao território de identidade Agreste de Alagoinhas, o que é um absurdo se pensarmos que durante toda sua história os dois principais ciclos produtivos que tivemos (cana-de-açúcar, no século XIX; e petróleo, no Século XX) articulavam Catu a dinâmica econômica do Recôncavo.
No que tange a escravidão, é válido registrar que, ao contrário do que indicam a maioria das pesquisas sobre o fim do escravismo no País que indicam que às vésperas da escravidão quase não havia escravos a se libertar, algumas cidade do Recôncavo conservaram somas consideráveis de escravos até os últimos dias da sua extinção legal, em 13 de maio de 1888.

Bem Baiano - Que aspecto destacaria a respeito do município?

Marcelo Oliveira - Acredito que seja o tratamento aos sujeitos que viveram naquele período: senhores, escravos, agregados. No livro, procuro trazer um pouco do cotidiano das pessoas, como elas viviam e o que elas pensavam. 
São encontrados vários personagens, cujos nomes e histórias estão ocultos nas estatísticas gráficas e análises dos temas. As histórias retratam o cotidiano dos escravos dentro dos engenhos, as lutas para conseguir algum dinheiro para comprar a alforria, obter a liberdade pela força da lei ou através de fugas e conflitos. Por fim, são analisadas memórias de descendentes de escravos sobre os “tempos do cativeiro”.
Esse trabalho histórico é importante para percebermos que as pessoas são pessoas em qualquer época (tem sentimentos, emoções, interesses, etc), mas que sua realidade cultural e social pode diferenciar muitos aspectos de suas vidas em relação àqueles que vivem na atualidade.

Bem Baiano - Como você avalia a questão da publicação científica/histórica na Bahia? 

Marcelo Oliveira - Nos últimos anos, tem crescido a publicação de livros sobre história da Bahia. Tem surgido pesquisas interessantes de muitos colegas que se agregam a grupos de pesquisa de instituições como UFBA, UNEB, UESB e UESC. Dois dos quais faço parte: Escravidão e Invenção da Liberdade (UFBA) e História, Literatura e Memória (UNEB- Campus II). Não tenho informações sobre publicações dessa natureza fomentadas pelo IF Baiano. Acredito que esse seja o primeiro.

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O autor: Graduado em História e Mestre em Estudos da Linguagem pela UNEB e Doutor em História Social pela UFBA. É autor de "Uma Senhora de engenho no Mundos das Letras: o declínio Senhorial em Anna Ribeiro (EDUNEB, 2008) e de vários artigos e capítulos de livros. Foi coordenador de Extensão e Diretor Acadêmico do Instituto Federal Baiano -  Campus Catu. Atualmente é coordenador do Programa Ciência Itinerante e Vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Popularização das Ciências, professor de História. É pesquisador de temas relacionados a História, Literatura e Memória.
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Foto: Arquivo do Professor Marcelo Oliveira

Um comentário:

  1. Parabéns ao querido amigo historiador! Tive a oportunidade de ler seu primeiro livro, mencionado acima, e desde aquela produção considerei que Marcelo Oliveira conseguiu demonstrar, como poucos, um equilíbrio, cada vez mais em falta na historiografia brasileira, entre a escrita (elegante, de fácil acesso) e o rigor acadêmico de um bom livro de História (teórico-metodologicamente falando). Nesta sua obra sobre Catu, mas também sobre escravidão, trajetórias, etc, penso que só temos, enquanto leitores, a ganhar uma vez mais. Isso porque, além da precisão do historiador nos debates mais recentes a respeito do tema em tela, ele ainda os apresentam na melhor forma da narrativa, sempre preocupada com a recepção do bom leitor e nas interlocuções da História com a Literatura e a Memória. O principal ainda está por vir: enquanto o primeiro texto teria sido resultado do seu mestrado, o que temos agora em mãos é a escrita de um autor maduro, já doutor e, portanto, mais experiente e consciente do seu papel enquanto profissional, enquanto agente social, político, reflexivo e ser humano fantástico que é. Ansioso pela leitura!

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