sexta-feira, 29 de abril de 2016

Campo: educação, movimento social e metáforas

A educação do campo perpassa por suas emoções e sua intelectualidade. Dentro do universo de sua formação acadêmica (graduação em Letras até o doutorado em Letras e Linguística), João Rodrigues, professor do Instituto Federal Baiano (IF Baiano) – Campus Teixeira de Freitas, perpassa seus estudos sobre a análise da obra “O meu pé de laranja-lima”, passa pela agricultura familiar, pelo teatro popular comunitário e pedagogia da alternância até chegar na defesa da tese “As pedras gritarão: uma análise crítica da metáfora conceptual em discursos do MST”. 

Como mais um caminhar para seus projetos, o doutorado perpassa pela ideia e pela motivação de “trabalhar, acreditar e defender a Educação do Campo como um espaço de pertença, visibilidade e reconhecimento das populações campesinas”, afirma o professor Rodrigues”. “Na Educação do Campo, através da Pedagogia da Alternância, tornei-me um educador que costuma 'apreciar o simples que de tudo emana'; depois pela minha militância nos movimentos sociais, sobretudo no MST – o maior movimento campesino da América Latina e um dos maiores do mundo”, complementa.

Enquanto professor da área de linguagem no IF Baiano, ele define esse incremento à sua formação de pesquisador como algo que “agrega valores altamente positivos na prática pedagógica docente, mas não só, enriquece o fomento a pesquisa e extensão, ampliando o debate em torno das abordagens cognitivas, sobretudo no campo das representações metafóricas”, diz João. Ele reforça que “o estudo contribui para o entendimento do papel dos movimentos sociais no Extremo Sul da Bahia, enquanto marco da Educação do Campo e do processo de formação”, afirma.

Em entrevista ao Bem Baiano, Rodrigues fala um pouco sobre a sua pesquisa e suas descobertas científicas.

Bem Baiano - Como surgiu a ideia de trabalhar esse tema?
João Rodrigues - Num país como o nosso, é lamentável notar que poucos conhecem de fato o papel e a importância dos movimentos sociais. Poucos sabem que grande parte do desenvolvimento do campo, seja na área da educação, da cultura e sobretudo na sobrevivência da agricultura familiar, se deve aos movimentos sociais. A sociedade acha “lindo” o povo indígena, enaltecem uma visão romântica que não é real, mas não incomoda. Trata-se de uma visão heroica, suave, ecológica... Mas, quando esse indígena luta, a figura perde o romantismo e eles são taxados de vândalos, preguiçosos, atrasados, bandidos... O mesmo ocorre com os afrodescendentes, sobretudo as populações quilombolas: são “lindos” no cinema, na novela, no teatro. São figuras românticas, não incomodam. Mas se começam a ocupar os espaços que sempre lhes foram negados, são desprovidos de qualidades e beleza. São “preconceituosos”, vândalos, encrenqueiros... O MST não fica atrás. São ignorados, ridicularizados, mesmo quando são vítimas de chacinas, como o Massacre de Eldorado de Carajás de 17 de abril de 1996 ocorrido no interior do estado do Pará que resultou na morte de 19 trabalhadores rurais ligados ao Movimento dos Sem Terra - MST.
A partir desse acontecimento, analisei como a conceptualização do massacre de Eldorado dos Carajás como um “ato de guerra”, através de distintas materializações no discurso, foi um importante instrumento no processo de justificativa das futuras ações do MST e do fortalecimento da sua imagem perante a sociedade brasileira. O estudo mostrou como a metáfora desempenha um papel relevante na formação e na difusão de ideologia tão vital para os movimentos sociais do campo, uma vez que ela legitima determinadas visões ou enquadramentos, que vão ao encontro de interesses específicos.

Bem Baiano - Qual a importância do tema para a sociedade?
João Rodrigues - A metáfora tem uma importância e presença avassaladoras na nossa vida. Mais do que apenas enriquecer a linguagem, ela questiona, explica e interpreta o mundo. Esse fenômeno tem uma significativa participação no processo cognitivo para formação/estruturação de significados. Não é a toa que o mesmo suscita reflexões e pesquisas ao longo de séculos, considerado um dos processos fundamentais da conceptualização e interação humana com a realidade.
O presente estudo é relevante para a sociedade do conhecimento, sobretudo para os estudos cognitivos, uma vez que investiga as metáforas conceptuais que transformam, discursivamente, fatos em “atos de guerra”, a partir dos pressupostos teóricos defendidos por Lakoff e Johnson. Trazemos a hipótese de que essas metáforas são usadas, cognitiva e linguisticamente, para justificar uma ação ou (re) ação, com implicações políticas e sociais.

Bem Baiano - Resultados alcançados?
João Rodrigues - No decorrer da análise, acredito que a nossa proposta, também adotada em Lakoff (1991), conseguiu dar conta de aspectos cognitivos importantes que estruturam o discurso em um caráter mais amplo. Buscar revelar esses aspectos não é tarefa fácil, no entanto, a partir do momento que a metáfora adquiriu um estatuto de figura de pensamento (e um pensamento sociocultural e ideologicamente inserido) e não só de linguagem, a tarefa do pesquisador tornou-se, empiricamente, mais complexa e mais instigante.
Por outro lado, ao analisar a relação que o MST tem com a política e o poder foi possível constatar que o estudo das metáforas discursivas pode contribuir para o aprofundamento de questões sobre cognição, cultura, ideologia e argumentação. Da interface entre esses campos, emerge a compreensão do discurso político.
Acredito que esse estudo tenha contribuído para a pesquisa na área da metáfora em geral e, mais especificamente, para a compreensão do papel da metáfora no discurso, entendendo discurso aqui como a instância onde a cognição, a cultura e a ideologia se manifestam linguisticamente.

Bem Baiano - Quais são suas perspectivas sobre o trabalho?
João Rodrigues - Intensificar as pesquisas a partir dos estudos cognitivos; fomentar a criação de grupo de pesquisa com os demais professores da área e correlatas, buscando ampliar a pesquisa e a extensão a partir do Campus Teixeira de Freitas; publicação de um livro sobre os estudos investigados e seus resultados; viabilizar um pós-doutorado sobre a temática.



Fotografia: Acervo / João Rodrigues

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